quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Bacamarte

Mario Neto iniciou seu trajeto musical aos seis anos de idade. Estudou com Silas Antonio do Espírito Santo, um grande mestre do violão, até sua partida para os Estados Unidos. O professor nunca mais voltou, a exemplo de tantos músicos brasileiros de real talento.

Em 1974, com quatorze anos, Mario resolveu montar um grupo para tocar composições próprias, uma mistura de música clássica com jazz, rock e música brasileira. Chamou Sergio Villarim, um músico também de formação clássica, para tocar teclados. Um dia, discutindo com Sergio o nome a dar ao grupo, Mario viu, sobre uma prateleira do quarto, um bacamarte artesanal, trazido pelo pai de uma viagem a Juazeiro. Uma arma que não serve mais para nada, que não fere mais ninguém. Eureka! O grupo deixara de ser pagão. Juntaram-se a esta formação inicial o baterista Nelson "Bombeiro" Paiva, o baixista Vinicius "Paçoca" de Oliveira e o cantor Hugo Lacerda. Com esta formação, o Bacamarte se apresentou em muitos festivais colegiais e universitários, obtendo sempre ótima recepção do público.

Em 1977, com nova formação que incluía José Lourenço (teclados), Delto Simas (baixo), Marco Veríssimo (bateria), Marcus Moura (flauta e acordeão) e Mr.Paul (percussão), hoje conhecido como Paulão, o Bacamarte fez muitos concertos, dois deles com o tecladista Jean Mauricio. A cereja no bolo foi uma memorável apresentação no programa Rock Concert (TV GLOBO), dirigido por Ronaldo Curi. Em 1979, Mario Neto produziu a fita que viria a se transformar no LP Depois do Fim. Naquela época, a hora de estúdio de gravação era absurdamente cara. Para reduzir o tempo de gravação, já sabendo que talvez tivesse que vender seu velho Chevette (herói de enchente), Mario promoveu uma maratona de ensaios, antes de ir para o estúdio. A gravação foi quase “ao vivo”: 19 horas de performance – nelas incluídos montagem, afinação de instrumentos, posicionamento de microfones, equalização etc - mais 6 de mixagem. Participaram da gravação: Sergio Villarim (teclados), Delto Simas (baixo), Marco Veríssimo (bateria), Marcus Moura (flauta e acordeão), Paulão (percussão) e a cantora Jane Duboc. Um elefante,“hóspede” de um circo montado ao lado do estúdio fez muito barulho, durante a gravação da música Pássaro de Luz. Até hoje, suas reais intenções permanecem desconhecidas. Logo após o término da gravação, surgiu a disco-music e Mario decidiu guardar a fita e esperar por um momento mais conveniente ao lançamento do disco.

Em 1982, por insistência do amigo Cid, Mario Neto levou a fita à Radio Fluminense FM. Foi recebido por Amaury Santos (produtor da área de música brasileira da rádio) que, imediatamente, colocou a fita num Ampex e ouviu todas as músicas. Terminada a audição, Amaury pediu que Mario a deixasse com ele. No dia seguinte, as músicas começaram a ser executadas na Rádio. A resposta dos ouvintes foi fantástica: pediam para ouvir mais e perguntavam quando sairia o disco. Este era o momento esperado por Mario. Antes do lançamento do disco, foram muitos shows, alguns em datas e/ou circunstâncias insólitas. Em uma apresentação no Circo Voador, em 25 de dezembro de 1982, havia dezenas de pessoas penduradas na estrutura metálica da iluminação (bem em cima do palco) e mais de mil não conseguiram entrar. Felizmente, não houve baixas e o espírito natalino tomou conta de todos. Em outra ocasião, num show na Ilha do Fundão, no encerramento de um encontro nacional de estudantes de Medicina, sob uma lona que parecia de circo (e era...), a partir da passagem do som e até o final da apresentação, foram ouvidos e sentidos em forma de vibração no piso os rugidos de um leão preso num carro-jaula atrás do palco. Medo, muito medo! Porém, o show tinha que continuar... Aparentemente, o rei da selva, exilado no circo, gostou do show, porque não houve baixas na plateia, no palco ou na jaula.

No início de 1983, a fita virou bolacha: foi lançado o LP Depois do Fim! Nesta ocasião, tocavam nos shows Sergio Villarim (teclados), Wiliam Murray (baixo), Mario Leme (bateria), Marcus Moura (flautas e acordeão) e Paulão (percussão), com as participações especialíssimas de Jane Duboc e Miriam Perachi (vocais). Foram vendidas 10.000 cópias, um grande sucesso para uma produção independente. Apesar disto, o trabalho não ganhou espaço na grande imprensa. Pouco tempo depois, a Rádio Fluminense foi vendida e o perfil de sua programação mudou.

O disco Depois do Fim, antes mesmo do advento da Internet, seguiu sua vocação global. Teve ótima aceitação no Japão, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Itália, Argentina e Estados Unidos. Foi incluído na lista ALL TIME TOP 100 ROCK ALBUNS, elaborada por críticos da revista holandesa Exposure, ao lado de nomes como Beatles, Santana, Hendrix, Renaissance, Yes, Stones, Simon & Garfunkel etc. Compromissos pessoais impediram Mario Neto de partir para o exterior, em busca da consolidação do mercado externo para seu trabalho, e o afastaram dos palcos e gravações. Ele voltou-se, então, para a composição e o estudo de outros instrumentos.

Em 1995, nos Estados Unidos, leitores da revista Exposé elegeram o Depois do Fim como o LP mais esperado na versão CD. Eles não tiveram que esperar muito. No mesmo ano, por ocasião do lançamento do CD pelo selo Rarity, o Bacamarte fez vários concertos com as participações de Sergio Villarim (teclados), Wiliam Murray (baixo) e Renato Teixeira (bateria).

Em 1996, o Bacamarte se apresentou no Rio Art Rock Festival, no então Metropolitan, com uma substituição nos teclados: a entrada de Robério Molinari. Então, Mario Neto decidiu, finalmente, gravar a suíte Sete Cidades. As músicas do CD, em sua maioria, foram compostas antes do lançamento do Depois do Fim e ficaram guardadas para futura utilização num segundo disco do Bacamarte. Contudo, obstáculos profissionais e pessoais dos músicos, que então se apresentavam com o Bacamarte, levaram Mario Neto a gravar o Sete Cidades como um disco solo. Foram muitas madrugadas, nos anos de 1997 e 1998, nas quais Mario tocou violões, guitarras, piano, teclados, baixos (acústico e fretless), bateria e percussão, além de cantar. O tecladista Robério Molinari participou da gravação de 5 faixas.

O CD Sete Cidades foi lançado em 1999. Em 2000, foi realizado um único concerto de lançamento do novo CD, na Lona Cultural João Bosco, no Rio de Janeiro, com a participação de Robério Molinari (teclados), Vitor Trope (baixo) e Alex Curi (bateria). Apesar da tempestade que caiu naquela noite, foi gente e não água que saiu pelo ladrão.

Em 2009, Emílio Magnano, então Gerente Comercial da Som Livre, teve a ideia de relançar o Depois do Fim, em comemoração aos 30 anos de sua gravação. Estas são suas palavras, na primorosa reedição, remasterizada a partir da fita original: “É com muito orgulho que a Som Livre resgata essa pérola perdida de nossa música. Mario Neto e seu “Bacamarte” de sons representou muito bem nosso país em todas as listas espalhadas pelo globo sobre os melhores trabalhos do gênero, dividindo estas com gigantes como Pink Floyd, Genesis, Renaissance, entre outros. Após anos indisponível “Depois do Fim” volta, para ser relembrado por uns, descoberto por outros e apreciado por todos.” No mesmo ano, a Som Livre licenciou o lançamento da versão japonesa do Depois do Fim, com os textos do encarte vertidos para o Japonês. A partir de então, National Kid pôde entender as letras das músicas...

2012 assistiu ao retorno do Bacamarte aos palcos. Foram dois concertos no Rio de Janeiro: um no Teatro Rival e outro no Circo Voador. O segundo comemorou os 30 anos da lendária casa, onde, na década de 80, o Bacamarte bateu repetidas vezes o recorde de público. Em ambos os shows, foram executados, na íntegra, os discos Depois do Fim e Sete Cidades.
Participaram dessas apresentações: Nilo Rafael (teclados), William Murray (baixo), Marcus Moura (flautas e acordeão), Paulão (percussão), Alex Curi (bateria), Robério Molinari (teclados), Vitor Trope (baixo) e Jane Duboc (vocal). Além de um reencontro musical há muito esperado e cobrado, os shows tiveram alta voltagem afetiva, com fãs chorando e, em pé, na madrugada, aguardando, para expressar sua alegria aos músicos e apresentá-los a filhos e netos.

Todos sabem que os shows do Bacamarte não são eventos corriqueiros. Não por acaso, três gerações de admiradores se encontram nessas raras oportunidades. Para além de uma experiência musical, são momentos de alta troca emocional entre os músicos e a plateia, bem como entre os próprios espectadores. Os registros disponíveis no You Tube dão uma pálida ideia da eletricidade que a execução das músicas do Bacamarte gera.

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